quinta-feira, setembro 28, 2006

Divagando ...


Se pudessemos usar uma esfera para ver a vida, mais não veriamos do que um conjunto de linhas conectadas ou não e que mais não são, do que os sonhos que fomos acumulando ao longo da existência. Uns realizaram-se, outros ficaram perdidos nos meandros da memória, outros ainda foram brutalmente interrompidos por um pesadelo que não era esperado.

Haverá retrocesso? Poderemos recuperar o que foi perdido? Teremos a possibilidade de reconquistar algo que ficou esquecido, lá bem no fundo?

Amizades ganhas, amizades perdidas, amores ganhos, amores perdidos para nunca mais recuperar... imagens de quem nos foi querido, mas que mais não são do que fragmentos de memória que não queremos perder a todo o custo, influenciando a nossa actual vivência.

Resta olhar ... ver os pontos de união entre cada linha, perceber o que nos espera durante o percurso desse caminho e aceitar as tantas quebras existentes neste tão grande aglomerado de linhas e pontos, segundo os quais nos vamos guiando!!!

Sometimes I get to feelin
I was back in the old days - long ago
When we were kids, where we were young
Things seemed so perfect - you know?
...
The sun was always shinin' - we just leved for fun
Sometimes it seems like lately - I just don't know
The rest of my life's been - just a show.
...

Excerto de "These Are The Days Of Our Lives" - QUEEN

sexta-feira, setembro 22, 2006

Fresta

Em meus momentos escuros
Em que em mim não há ninguém,
E tudo é névoas e muros
Quanto a vida dá ou tem,

Se, num instante, erguendo a fronte

de onde em mim sou soterrado,

Vejo o longínquo horizonte

Cheio se sol posto ou nado,

Revivo, existo, conheço;

E, inda que seja ilusão

O exterior em que me esqueço,

Nada mais quero nem peço:

Entrego-lhe o coração.

Fernando Pessoa, Ficções do Interlúdio

BOM FIM DE SEMANA

domingo, setembro 17, 2006

AMIGOS


Há dias atrás fui contemplada com uma cena que, para os que têm o tipo de trabalho que tenho, nem sempre são presenteados com imagens tão lindas como a que vi.
Estava atendendo público, atrás de um balcão, quando um colega me diz que tinha um senhor para atender logo que terminasse de resolver o problema de quem estava comigo. Olhei em frente e, vi uma pessoa invisual. Ok, percebi quem é, pensei eu. Instantes depois, dirigi-me à pessoa que estava à minha espera. Enquanto falava com ele apercebi-me de vários olhares que, ora se dirigiam para ele, ora se dirigiam para o chão. Numa sala onde costuma reinar o barulho, naquele instante o som baixou, as pessoas olhavam e comentavem em voz baixa o que estavam a ver. Intrigada com tanta coisa estranha, enquanto falava com a pessoa, pensava o que se estaria a passar no chão... de repente associei a pessoa invisual a um cão. Seria esse o motivo de tantos olhares e de tantas diferenças de comportamento? Já que não me era possível ver o chão, de imediato perguntei à pessoa se tinha um cão acompanhando-o. Só pela entoação da resposta percebi tudo! Aquela fisionomia que se apresentava à minha frente modificou-se por completo, um largo sorriso lhe apareceu na face e com imensa alegria na voz me disse que sim, tinha com ele uma cadela. Perguntei-lhe qual a raça. A resposta não se fez esperar. Com imensa alegria perguntou-me se queria ver e de imediato se baixou para levantar a sua Amiga. Ao cimo do balcão, aparece-me nada mais, nada menos que um focinho lindo como este. Os olhos eram poços de ternura!!! As lágrimas quase me caiam, quando já com o seu assunto resolvido, a pessoa me agradeceu e saiu calmamente, guiado pela sua cadela, que sem vacilar e num passo muito calmo orientou o seu dono no meio de uma sala cheia de gente, guiando-o para a porta de saída.

Já tinha visto muitos programas na tv sobre estes grandes AMIGOS. Mas uma coisa é ver através do ecran, outra é ver e sentir perante nós, o grande Amor que une aqueles dois seres!

Tenham uma óptima semana!

sábado, setembro 16, 2006

domingo, setembro 10, 2006

NARCISO

São lindos, não são? Selvagens, amarelos e brilhantes. Tudo à sua volta brilha com tanta côr!
Nenhuma imagem poderia falar melhor de ti, senão estas flores que têm o teu nome. Desde muito cedo a tua vida começou, sempre a trabalhar. Casaste, divorciaste-te e voltaste a casar. Se o divórcio já era algo que te tornasse diferente, casar de novo e aceitar tudo, fazia de ti alguém quase extraterrestre. Mas, não te importaste!!!
Andaste por terras espanholas, vieste para Portugal e trabalhaste pelo Algarve inteiro. Com família na ponta oposta do Algarve, em Lagos fizeste uma grande parte da tua vida.
Carpinteiro Naval de profissão, gostavas do mar qb. Melhor em terra e vê-lo do que nele estar e ver terra. Dizias sempre " Com o mar, não se brinca!" Nas "horas vagas" foste banheiro, meteriologista particular, artista como poucos existem.
A tua arte saia pelas tuas mãos, pela tua inteligência, pela tua forma de encarar a vida. Quem estivesse perto de ti, não tinha muito tempo para estar triste. Conseguias pôr uma plateia inteira a rir e tudo era puro e vindo do mais profundo do teu ser. Se estavas numa mesa de família, era melhor ter cuidado, não fosse causares o engasgo de alguém, claro a tua esposa não gostava muito da questão mas, perante todos a rirem, olhavas para ela com olhar matreiro.
Das tuas mãos sairam barcos em miníatura, barcos que navegaram (incluindo o nosso) um violino, em tempo muito idos e mais n coisas que apanhavas e delas saía sempre qualquer coisa.
Lembro-me do dia em que me contaram a verdadeira realidade... estavas apreensivo e, não era para menos! Mas Avô, eu só te conhecia a ti. Eu era a tua bleblé, sabe-se lá porque este nome? Mas era o que me chamavas! Não era nesse dia que as coisas iriam mudar. Sei que ficaste feliz, embora não o mostrasses. A partir desse dia, a cumplicidade entre nós foi crescendo... Tinhamos os nossos segredos que nunca ninguém soube, não era Avô? Nem a AVó!!! Mas aqui também não os vou expôr. Foram, são e serão, só nossos!
Pedi-te, ainda adolescente, para me fazeres um barco, como os que fazias para vender, mas que acabavas sempre por perder dinheiro. Punhas tudo e todos ao rubro, quando um barco se ia e dinheiro... nem vê-lo! Não te interessava, querias era fazê-los e encolhias os ombros sempre que alguém te chamava a atenção!
A tua imagem, de barco debaixo do braço, na hora do almoço, a entrar pela casa dentro para me entregares o que te tinha pedido, nunca me esquecerei, nem me esquecerei do raspanete que te preguei quando descobri que o fizeste à pressa com medo de não o conseguires acabar. E tu rias...
Sei que te orgulharias das netas que tens. Mas mais orgulhosa estou eu por te ter tido como Avô! Valeu por uma existência inteira!!!
I STILL LOVE YOU
Alargo esta homenagem que fiz ao meu querido Avô, a todos aqueles que faleceram na catástrofe horrenda de 11 de Setembro e em particular a todos os Avôs e Avós que lá deixaram as suas vidas!

terça-feira, setembro 05, 2006

Barqueiro

Van Gogh, Boats

Na noite avançada percorro imagens já envelhecidas, palavras ouvidas, discursos inacabados, realidades rejeitadas...

BARQUEIRO

Como barqueiro enlouquecido nos mares gelados,

Despedaço gelo com débeis ramos de madeira,

O frio invade-me. O sol é miragem passageira,

Violentamente, sigo por quadrados já quebrados.

Rasgo mares jamais por alguém antes rasgados,

Fios de água gelaram na minha face sobranceira.

A minha pequena barca é frágil, mas vai ligeira,

Leva-me para mares que já julgava sepultados.

Respiro fundo. Há pouco oxigénio pairando no ar.

Esta minha raiva feroz obriga-me a não parar,

Esqueço as tuas tempestades, os meus cansaços.

Perdido, avanço. Não sei até onde vou chegar,

Mas avanço. Estou encolhido, mas vou continuar,

E já em chamas, irei erguer-me e abrir os braços.

Gonçalo Nuno Martins, Nada em 53 vezes, pp 33

sexta-feira, setembro 01, 2006

Sentimentos, emoções ...


Passamos por situações em que os sentimentos estão tão soltos e as emoções tão fortes que para muitos de nós, o bloqueio serve de protecção por forma a que não se emitam palavras que, decerto, não seriam as mais correctas.

Mas... existe sempre alguém que diz por outras palavras, numa frase, parágrafo ou texto algo com o qual se dá a identificação!


Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado. Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada.Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado. Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face. Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada. Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite. Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa. Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço. E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos. Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir. E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas. Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

MORAES, Vinícius de. ANTOLOGIA POÉTICA.