Muitas são as formas de descrever/ traduzir/ espelhar a realidade, qualquer que ela seja. Por um lado a pintura. Neste caso, a transposição da música para a tela. Algo de fantástico onde a cor , traço e forma, dão ao consciente a percepção da musicalidade e beleza. Por outro, a conjugação perfeita da palavra que quase pode fazer a tradução do que foi percepcionado!
Que música escutas tão atentamente
Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.
Eugénio de Andrade
(Coração do dia)