terça-feira, junho 20, 2006

Divagações


Vamos pela vida intercalando épocas de entusiasmo com épocas de desilusão. De vez em quando andamos inchados como velas e caminhamos velozes pelo mar do mundo; noutras ocasiões - mais frequentes do que as outras - estamos murchos como folhas que o tempo engelhou. Temos períodos dourados, em que caminhamos sobre nuvens e tudo nos parece maravilhoso, e outros - tão cinzentos! - em que talvez nos apetecesse adormecer e ficar assim durante o tempo necessário para que tudo voltasse a ser belo.Acontece-nos a todos e constitui, sem dúvida, um sinal de imaturidade. Somos ainda crianças em muitos aspectos.A verdade é que não temos razões para nos deixarmos levar demasiado por entusiasmos, pois já devíamos ter aprendido que não podem ser duradouros.A vida é que é, e não pode ser mais do que isso.Desejamos muito uma coisa, pensamos que se a alcançarmos obtemos uma espécie de céu, batemo-nos por ela com todas as forças. Mas quando, finalmente, obtemos o que tanto desejávamos, passamos por duas fases desconcertantes. A primeira é um medo terrível de perder o que conquistámos: porque conhecemos o que aconteceu anteriormente a outras pessoas em situações semelhantes à nossa; porque existe a morte, a doença, o roubo...A segunda fase chega com o tempo e não costuma demorar muito: sucede que aquilo que obtivemos perde - lentamente ou de um dia para o outro - o encanto. Gastou-se o dourado, esboroou-se o algodão das nuvens. Aquilo já não nos proporciona um paraíso.E é nesse momento que chega a desilusão, com todo o seu cortejo de possíveis consequências desagradáveis: podem passar-nos pela cabeça coisas como mudarmos de profissão, mudarmos de clube, trocarmos de automóvel ou de casa, divorciarmo-nos... E, então, surge o desejo de partir atrás de outro entusiasmo: queremos voltar a amar...Nunca mais conseguimos aprender o que é o amor.Se nos desiludimos, a culpa não está nas coisas nem está nas outras pessoas. Se nos desiludimos, a culpa é nossa: porque nos deixámos iludir; porque nos deixámos levar por uma ilusão. Uma ilusão - há quem ganhe a vida a fazer ilusionismo - consiste em vestir com uma roupagem excessiva e falsa a realidade, de modo a distorcê-la ou a fazê-la parecer mais do que aquilo que é.Quando nos desiludimos não estamos a ser justos nem com as pessoas nem com as coisas.Nenhuma pessoa, nenhuma das coisas com que lidamos pode satisfazer plenamente o nosso desejo de bem, de felicidade, de beleza. Em primeiro lugar porque não são perfeitas (só a ilusão pode, temporariamente, fazer-nos ver nelas a perfeição). Depois, porque não são incorruptíveis nem eternas: apodrecem, gastam-se, engelham-se, engordam, quebram-se, ganham rugas... terminam.Aquilo que procuramos - faz parte da nossa estrutura, não o podemos evitar - é perfeito e não tem fim. E não nos contentamos com menos de que isso. É por essa razão que nos desiludimos e que de novo nos iludimos: andamos à procura...De resto, se todos ambicionamos um bem perfeito e eterno, ele deve existir. Só pode acontecer que exista. Mas deve ser preciso procurar num lugar mais adequado.

8 comentários:

Andr3 disse...
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Andr3 disse...

Agora que já posso ter uma ideia do blog e do seu conteúdo posso dizer-lhe que dá imenso prazer em ler o que aqui se cria. São extensões de linhas em que se transmitem ideias e opiniões bem formadas sobre assuntos interessantes. Bom blog. Consigo-me identificar com estes textos:)
Até Depois

RPM disse...

olá Alexandra!

Bom dia cara amiga....

Hoje perdi mais um pouco da LIBERDADE que se conquistou, apenas, nos 1440minutos que durou o 25 de Abril....

O texto que apresenta é um texto reflexivo...um texto em que o autor questiona-se sobre o devir....

É normal estas interrogações.

Um beijo e obrigado pelas visitas

RPM

Pedro Melo disse...

É o passar do tempo... as marcas que ele deixa e que nós deixamos nele... é a nossa viagem... é aprender...


:)

Lâmina d'Água & Silêncio disse...

Boa noite Alexandra!!!

Rolei a página e percebi somente agora o tempo que passou sem que eu tivesse vindo te ver...

Mas cá estou e gostei do que tens postado aqui.

Te deixo um beijinho!!!
Com carinho,

Cris

RPM disse...

feliz s. joão

beijo

RPM

Paulo disse...

O que procuramos não se obtem com bens materiais, com amores superficiais, com sonhos realizados. O procuramos está muitas vezes ao nosso alcance, dentro de nós. Deve ser isso, só pode ser isso...Beijinhos :)))

Anónimo disse...

...por acaso..nem sei bem como...vim parar até aqui...nem confuso nem perdido...apenas caminhante...de palavras dentro de mim...fechei os olhos...e senti...( gostei do que vi nos entreolhos cerrados )..nunca me tinha achado..aqui...Gostei....Mantém! um sorriso entre um catrapiscar entre a Aroeira e a fonte da Telha....(ao volante do carro do serviço que me dão.......)...