quinta-feira, dezembro 03, 2009

Rumo...

Foto de Ivanic grad

Silêncio, Nostalgia...
Silêncio, nostalgia...
Hora morta, desfolhada,
sem dor, sem alegria,
pelo tempo abandonada.
.
..
Luz de Outono, fria, fria...
Hora inútil e sombria
de abandono.
Não sei se é tédio, sono,
silêncio ou nostalgia.
.
..
Interminável dia
de indizíveis cansaços,
de funda melancolia.
Sem rumo para os meus passos,
para que servem meus braços,
nesta hora fria, fria?
.
Fernanda de Castro

quarta-feira, novembro 25, 2009

Gestos

Pequenos gestos, simples, sem outra intenção que não seja o bem estar que proporciona quem o faz e quem o recebe. Uma pequena lembrança que pode tomar proporções significativas para quem se sente só.

Um pequeno gesto, pode ser a diferença entre uma lágrima e um sorriso!

sábado, novembro 14, 2009

Transferências II





" (...) não lhes pode explicar, que há um rio dentro dele e leva a águas revoltas que nem ele sabe o que são, quereria, apesar de tudo, conseguir congeminar respostas (...)"

Carvalho, Rodrigues Guedes; A Casa Quieta. P. 56



Na impossibilidade de usar as minhas próprias palavras, opto por transcrever narrativas, frases, ideias que me fazem 'eco'.

sábado, outubro 31, 2009

Transferências I

Foto de sensorfleck
"Quando a vida normal parecia quase possível - quando o mundo ganhava uma certa ordem, sentido, até encanto ( o raio prismático de luz através de um sincelo; a quietude de um amanhecer), alguma coisa havia de correr mal e a capa do optimismo desaparecia, revelando o mundo árido."
Wroblewski, David; A História de Edgar Sawtelle. P. 178

Na impossibilidade de usar as minhas próprias palavras, opto por transcrever narrativas, frases, ideias que me fazem 'eco'.


sexta-feira, julho 24, 2009

Consciencialização


Fotografia de pigar



Aquele era o tempo
Em que as mãos se fechavam
E nas noites brilhantes as palavras voavam,
E eu via que o céu me nascia dos dedos



Em bares escondidos,

Em sonhos gigantes.
E a cidade vazia,
Da cor do asfalto,
E alguém me pedia que cantasse mais alto.



Aquele era o tempo

Em que as sombras se abriam,



E eu bebia da vida em goles pequenos,

Tropeçava no riso, abraçava venenos.
De costas voltadas não se vê o futuro
Nem o rumo da bala
Nem a falha no muro.
E alguém me gritava
Com voz de profeta
Que o caminho se faz
Entre o alvo e a seta



De que serve ter o mapa

Se o fim está traçado,
De que serve a terra à vista
Se o barco está parado,
De que serve ter a chave
Se a porta está aberta,
De que servem as palavras
Se a casa está deserta?



Quem me leva os meus fantasmas?

Quem me salva desta espada?
Quem me diz onde é a estrada?
...
Excertos da música de Pedro Abrunhosa; ‘Quem me leva os meus fantasmas’

Dia a dia… o caminho faz-se entre o alvo e a seta, entre o início e o fim, entre a alegria e o desalento…



quinta-feira, julho 16, 2009

Paralelismos

Imagem de Tatsuo Suzuki
Esperava a chegada do transporte olhando distraidamente em volta. Inadvertidamente, fixou o olhar numa das portas à sua frente. Observou os rostos fechados, os olhares que não se cruzavam, as tentativas de afastamento em cada movimento perpetrado pelos viajantes que entravam.
Subitamente, deu-se conta de que poderia fazer um paralelismo.
Cada janela um acontecimento da sua vida, cada porta um caminho que se havia apresentado e que poderia, ou não, ter sido trilhado. Surge a dúvida: E se tivesse escolhido uma porta e não a outra? E se tivesse aberto a porta quando deveria tê-la fechado de imediato? Quais as repercussões que poderiam ter tido essas escolhas no resultado actual?
Enquanto o pensamento deambulava pelos meandros das hipóteses, o movimento de afastamento acelerava, permitindo-lhe, no final, ver uma única imagem desfocada para, logo de seguida, ficar sozinha visualizando o espaço vazio onde segundos antes um objecto bem definido tinha estado.
Na vã tentativa de visualizar algo que lhe desse referências, lutava contra a sensação de que teria presenciado a sua vida projectada naquele meio de transporte. Acontecimentos vividos, caminhos percorridos, portas que se abriram e outras que se fecharam e… na ânsia infindável de que um dia conseguiria atingir os objectivos a que se propunha, esquecera-se de viver. Deu-se conta que o tempo passa a velocidades inesperadas e que, no fim, restaria somente o vazio… do que poderia ter sido, mas não foi!

sábado, julho 11, 2009

Caminho


Na companhia de
memórias e fantasmas,
a caminho do...
NADA!

segunda-feira, julho 06, 2009

Nunca Mais

Nunca mais
Caminharás nos caminhos naturais.
Nunca mais te poderás sentir
Invulnerável, real e densa -
Para sempre está perdido
O que mais do que tudo procuraste
A plenitude de cada presença.
E será sempre o mesmo sonho, a mesma ausência.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Fotografia de Filomena Chito

terça-feira, junho 16, 2009

Na ausência...


Na ausência das minhas palavras, gosto de evidenciar outras que me foram endereçadas e que, de alguma forma, me gratificaram.


"Quantas asas pede um voo que partiu em busca de equilíbrio?Quantas leituras tem um livro olhado pelo mesmo olhar, a diferentes horas de nós mesmos? E que leitura será a de um poema em braile, decifrado por alguém que o conheceu antes de cegar?"
Carta de José Cardoso Pires
Numa Cidade Feliz
João Lobo Antunes


Obrigado Isabel!


Fotografia de Carlos Pinheiro

quarta-feira, junho 10, 2009

Lêr



Lês para esquecer!
Lês para encontrar o que procuras… ou para te encontrares?
Lês porque te afundas noutro mundo, porque bebes outra realidade… exterior a ti!

Lês porque sim! Para te encontrares e, no fim, te perderes nos meandros das palavras que te levam a outra vida…
outras vidas… que não a tua!


Fotografia: Daniel Rodrigues


sábado, maio 30, 2009

Eternidade


A vida, mais não é que uma peça de teatro, em que simultaneamente somos público e actores.


A única certeza, é a ausência da eternidade…




Fotografia de Lauro Santos

domingo, maio 24, 2009

Carta aos meus AVÓS.


Hoje, recordo-vos com tanta saudade!
A ti, meu avô que esperaste pacientemente anos e anos a fio, para ver a minha reacção quando finalmente me dissessem… que de avô só tinhas o nome. Ainda me recordo dos teus olhos (seria de medo?) quando me dirigi a ti pela primeira vez após saber a verdade. Qual verdade? Para mim, a única verdade é que eras e continuarias a ser o Meu Avô! Com genética ou sem ela, que me importava, se me deste muito mais do que me poderia ela dar? Não me lembro em que contexto me dirigi a ti, não me lembro de nada, simplesmente da tua expressão. Foste até ao fim, o Meu Querido Avô. Aquele em quem confiava segredos, aquele que adorava acompanhar. Criámos uma ligação que, penso, não ser comum.
Vi-te envelhecer, sempre com um humor invejável. Vi-te agarrar a vida numa embolia cerebral, ouvi as tuas horríveis alucinações visuais provocadas pela avançada idade, e vi o teu sofrimento. Nada podia fazer mas, o meu espírito prático levou-me sempre a acompanhar-te, mesmo nos momentos mais difíceis. Sabias que eu estava ali e agarraste-te muitas vezes à minha presença. Foste aquele que me deu a certeza de que estava de alguma forma a ser útil. Até ao dia, em que me pediste um copo de água. Simplesmente, ainda não estava preparada para perceber as tua difícil comunicação. Falhei! E tu, disseste-me. Desculpa Avô! Ainda hoje te ouço dizer em sussurro: “Não me trouxeste água!” Mas sei que me desculpaste!

E tu Avó, que sempre me compreendeste, que sempre acreditaste e que, mais uma vez, quando te vi numa cama de hospital lamentando o que te sucedeu, não sei como, tive coragem para duramente te dizer palavras que hoje não recordo mas que sentia serem-te úteis. Lembro-me de te ouvir dizer a chorar. “Minha querida neta, sabes tudo!” E eu nada sabia, Avó! Certo é que saíste daquela cama pelo teu pé e a “refilar” porque tinhas que esperar para te virem buscar. Lembro-me de estar ao teu lado e rir. Aquela era a Minha Avó!
Quis o destino, ou o que quer que seja que nos guia ou desvia, que tivesse eu mesma que te orientar para onde não querias… aceitaste! Mais uma vez, falei contigo, agi em função da razão, deixando para trás a emoção, pois essa tolher-me-ia os movimentos.
Nunca nos despedimos com um Adeus, sempre usámos o “até logo”, mesmo que soubéssemos que nos iríamos encontrar semanas, ou meses depois. De tal forma, que hoje, te recordo com um sorriso e um “até logo”.
Quando me viste trilhar um caminho que sabias não ser o mais conveniente para mim, avisaste-me… e não te escutei!!

Meus AVÓS, sendo vós a minha luz, tendo consciência da vossa impossibilidade…digam-me, se puderem, que caminho tomar… digam-me se vos for possível, se existe alguém que me possa levar os meus fantasmas… e me diz onde é a estrada...

A vossa neta.


Fotografia de Pedro Rodrigues.

quarta-feira, maio 20, 2009

Solidão


Estar só não significa necessariamente solidão. Estar só, é saudável quando a nossa própria companhia é gratificante.
Solidão, é estarmos sós mas, apesar de o aceitarmos, percebermos que não existe alguém ao lado que nos possa ouvir. Sentirmos que apesar de gritarmos não há sentido auditivo algum que nos capte. Apercebermo-nos de que não há uma resposta do outro lado, mesmo que a pergunta seja feita. Descobrirmos que a linguagem que usámos não é compreendida pelos pares, se ainda existirem.

Por vezes, precisámos de estar sós e afastámo-nos do que nos rodeia e dos que circulam à nossa volta. Porém, na maioria das vezes, quando voltámos, percebemos que estivemos demasiado tempo ausentes. O que antes era, já não o é, e confrontámo-nos com o medo de sermos definitivamente projectados para o vazio… onde nada nem ninguém nos encontrará.
Imagem: Banco de Jardim junto à Igreja da Memória, Belém.

domingo, maio 17, 2009

Incertezas


Não sabia, ou melhor, não me lembrei deste evento. Descobri-o enquanto lia as notícias.

Um dia também lá fui. Obviamente, com o intuito de festejar a concretização de um objectivo que tanto custou a atingir.
Tempos atrás recordava este dia com sentimentos antagónicos. Alegria, muita alegria. Nem outra coisa poderia ser, visto que na multidão os sentimentos se confundem e assimilam. Mas também tristeza, por sentir ausências que me magoavam. Mais uma vez, estava só no meio da multidão. Agarrava-me a uma única presença, o meu porto seguro. Na altura, se me dissessem que até esse porto poderia afundar-se, responderia orgulhosa: ‘Que tolice!’

Hoje, ao ver estas fotografias, unem-se aos sentimentos enumerados, a saudade de um tempo em que, apesar de tudo, ainda reinava a esperança, a força e o sonho.
Hoje, a cada portador de um sorriso, desejava poder dizer para aproveitar somente a alegria do dia, pois o amanhã… está recheado de incertezas.

Fotografia retirada
daqui.

quinta-feira, maio 14, 2009

Memórias 'de Mahler'.

"(...) a vida é transparente e o passado, fechado em

armários que rangem durante a noite, brilha às vezes, como

as pratas dos chocolates (...) nas mãos das crianças."

Peixoto, José Luís, Cal, p. 75

domingo, maio 10, 2009

Percursos


A ideia que cada um de nós elabora acerca de si mesmo (…) é construída ao longo de anos de experiência e é constantemente sujeita a remodelação.” Grande parte desta construção tende a “ ocorrer de forma não consciente, e a própria remodelação também não é consciente. Estes processos conscientes e inconscientes, qualquer que seja a sua proporção, são influenciados por uma grande variedade de factores: traços de personalidade inatos e adquiridos, inteligência, conhecimento, meio ambiente social e cultural. (…) As mudanças que ocorrem no SI autobiográfico ao longo da vida de uma pessoa não se devem apenas à remodelação do passado já vivido, mas também à elaboração e remodelação do futuro antecipado."

No decurso da nossa vida e em todos estes processos inerentes, por vezes, damos por nós completamente desviados do trilho que desenhámos.

Algures no tempo, antecipamos o nosso futuro e remodelámo-lo consoante a realidade que considerámos importante. Normalmente, tendemos a perceber o que conquistamos como imutável, mas esquecemo-nos que a eternidade não existe. Numa tentativa de não perdermos o que com tanta luta obtivemos, vamos dando de nós, cedendo, interiorizando valores que muitas vezes nem são os nossos, perdendo-nos…

Insistimos em guardar para os meandros do inconsciente aquilo que nos é desconfortável, escondendo-nos de nós próprios pelas mais variadas formas… até que um dia esse conteúdo tanto tempo inconsciente, brota numa amálgama de sentimentos que a maioria das vezes não percebemos.

É nessa altura que nos deparámos num caminho envolto em nevoeiro, perdidos num marasmo que impossibilita a previsão de um futuro. Quando por fim olhámos em volta, consciencializámo-nos de que teremos que mergulhar em nós mesmos, correndo o risco de parecermos egoístas e não sermos compreendidos, para de novo subirmos a pulso os pilares da ponte que nos indicará a continuidade do percurso de vida.

Conheço este sinuoso caminho, contudo ainda tenho a ténue esperança de que possa atingir o cimo da ponte…

Damásio, António, O Sentimento De Si. p.259
Fotografia de F. Monteiro

segunda-feira, maio 04, 2009

Passagem



Tenho que dormir!
Não é a ausência do sono a causa do medo. É o período que permeia a passagem do estado de vigília para o sono. É o pequeno mas intenso espaço de tempo permeável à emergência do pensamento que corre veloz … sem que nada possa ser feito para parar.
Resta esperar a queda num conteúdo onírico que já se prevê perturbador, e acordar para um novo dia, invariavelmente igual aos outros.
Pintura de Vincent Van Gogh

domingo, abril 26, 2009

Acreditar

Como Agnóstica não sigo qualquer religião. Acredito que embora tenha tentado compreender e assimilar as bases de algumas delas, algo faltou para que pudesse existir identificação. Porém, reconheço que algumas posturas são, de facto, louváveis. Nesse âmbito, e embora sejam palavras retiradas de um livro que em nada toca a religião, não pude deixar de sorrir ao ler as linhas que passo a citar:



“Quase ninguém o sabe, mas o amigo Sempere não punha os pés numa igreja desde o funeral da sua esposa Diana (…) Talvez por isso todos o tomavam por ateu, mas ele era um homem de fé. Acreditava nos amigos, na verdade das coisas e em algo que não se atrevia a dar nome nem rosto (…) O senhor Sempere acreditava que todos fazíamos parte de alguma coisa e que, ao deixarmos este mundo, as nossas recordações, os nossos anseios não se perdiam, passando ao invés a ser as recordações e os anseios daqueles que vinham ocupar o nosso lugar. (…) acreditava que Deus, ou quem quer que aqui nos pusera, vivia em cada uma das nossas acções, em cada uma das nossas palavras, e se manifestava em tudo aquilo que nos fazia ser mais do que meras figuras de barro. (…) acreditava que Deus vivia um pouco, ou muito, nos livros e por isso dedicou toda a sua vida a partilhá-los, a protegê-los e a certificar-se de que as suas páginas, assim como as nossas recordações e os nossos anseios, jamais se perderiam, porque acreditava (…) que, enquanto restasse uma única pessoa no mundo capaz de os ler e de os viver, haveria um pedaço de Deus ou de vida.”

Zafón, Carlos Ruiz, O Jogo do Anjo, p. 423.

domingo, abril 19, 2009

Aproveitamento de Recursos

Por mero acaso, descobri este vídeo que considero uma prova viva de como podemos e/ou devemos associar o nosso conhecimento aos recursos que se prolongam para além de nós, obtendo resultados fantásticos e nobres, contribuindo para o desenvolvimento e/ou felicidade de outrem.

Por vezes, basta um pouco de atenção, sensibilidade e criatividade!

Para que se perceba o verdadeiro sentido das minhas palavras, aconselho acima de tudo, a leitura de toda a informação AQUI.

segunda-feira, abril 13, 2009

Nas nuvens


Algum tempo atrás pensei comprar um livro de leitura mais fácil. Aquilo a que mais propriamente costumo designar por leitura ligth. O objectivo é, simplesmente, ler para distrair. Nada que faça pensar muito. Contudo, mesmo no que se refere a este tipo de leitura reconheço que sou difícil de satisfazer.
Há dias, entrando numa grande superfície, olhei para a confusão de literatura que por lá andava e achei por bem que seria mesmo ali que iria fazer a minha escolha. Olhei para um deles e reconheci a autora. Como tinha gostado do seu primeiro livro e sabia que tinha sido editado um segundo, olhei, achei que me era familiar e…nem pensei duas vezes, foi mesmo aquele!
Numa noite em que o sono não chegava de maneira nenhuma, após ter ouvido n+1 músicas, eram 4h e pouco da madrugada e continuava bem desperta. Dada a situação, peguei no livro que estava a ler e pensei que seria através dele que viria o sono. Enganei-me! Acabei de lê-lo e… às 5h continuava tal e qual. Fui então buscar o que havia comprado dias atrás optando já por ler deitada. Primeira página…pareceu-me familiar. Segunda página…já tinha lido aquelas palavras em algum lugar, mas pensei que de alguma forma estivesse relacionado com o primeiro livro que tinha lido da autora. Terceira página… “Impossível!!! Eu já li isto!!!!” Virei a capa do livro para ver melhor e, de facto, o livro era-me totalmente familiar. De repente fiz a associação e, não querendo ainda acreditar, pulei da cama e vim procurar o objecto da primeira leitura. Para grande espanto e exaltação da minha parte, descobri que tinha comprado duas vezes o mesmo livro!
Se às 5 da manhã não dormia, depois desta brilhante descoberta eram quase 6h e ainda estava a “remoer”…
Não me lembro a que horas adormeci (felizmente era fim de semana), mas lembro-me de acordar e, não só lembrar-me de imediato da brilhante asneira que tinha feito, como também de pensar: “Caramba, tens que regressar à terra!!!”
Imagem de Pedro Casquilho

sexta-feira, abril 10, 2009

Imaginário


Esta foi a perspectiva visual enquanto criança. Tudo era grande, tudo significava descoberta, alegria, liberdade. Os cavalos, tão grandes e brancos, que “guardavam” serenamente os belos cisnes… havia-os bancos e pretos, mas a sua preferência eram os brancos. Os patos que os acompanhavam…
Pequenina, espreitava para o que considerava ser as suas casas, meras aberturas na pedra esculpida. Numa altura em que as questões têm sempre respostas, a preocupação era se a “casa dos patos” era grande para todos, porque fazia frio e eles tinham que se abrigar. E porque nessa altura haviam soluções apaziguadoras para tudo, de imediato a preocupação se dissipava para dar lugar somente ao conteúdo de um imaginário infantil.
Mas o tempo passou e ficou apenas a ideia de um lugar encantado, onde o passado se mistura com o presente na nostalgia das interrogações que hoje não têm resposta. As lágrimas vertidas com o que não era esperado, deixaram um sulco profundo que não mais poderá ser tapado. Os sorrisos em tempo de felicidade diluem-se em cada olhar, os risos calcam-se em cada passo… mas porque outrora foi um lugar encantado, hoje é depósito de esperanças que não podem deixar de existir, mesmo que sonhadas …


Imagem: O "meu" Jardim de Belém.

sábado, abril 04, 2009

Pétala de Rosa



Porque foste na vida

A última esperança

Encontrar-te me fez criança

Porque já eras meu

Sem eu saber querer

Porque és o meu homem

E eu tua mulher.



Porque tu me chegaste

Sem me dizer que vinhas

E as tuas mãos foram minhas com calma

Porque foste em minh'alma

Como um amanhecer

Porque foste o que tinha que ser.


Vinicius de Moraes


Poema encontrado manuscrito, em papel de pétala de rosa, num bolsilho interior da mala chamuscada de S. (leia-se, Snu Abecassis), pela Polícia de Investigação Criminal, após a queda da avioneta em que viajava para o Porto.

"O ùltimo Minuto da Vida de S.". Real, Miguel.



Pessoas que fizeram parte da nossa história enquanto país. Figuras públicas que muito criticadas foram, na altura, pela sua ligação. E a sua beleza num cenário horrendo!


Imagem: Escultura de Auguste Rodin, retirada daqui.

quarta-feira, abril 01, 2009

Nova oferta.



Desta vez fui agradávelmente presenteada pelo Daniel Silva, com o Prémio Sair das Palavras.

É pois com muito gosto que o recebo e guardo.

Obrigado, Daniel!

quarta-feira, março 25, 2009

Solidão

"No fundo, é isso, a solidão: envolvermo-nos no casulo da nossa alma, fazermo-nos crisálida e aguardarmos a metamorfose, porque ela acaba sempre por chegar."

August Strindberg

Mas... ... sim, porque há sempre um "mas" e um "se". E se não chegar???

Imagem: Parque dos Poetas.

sexta-feira, março 13, 2009

Talento


As formas de fuga de uma realidade, seja ela qual for, podem ser diversas. Umas mais originais que outras, mas todas elas têm um ponto em comum: Esquecer nem que seja por momentos, o que nos perturba. Uma das minhas - tenho que reconhecer - é a leitura. Dela retiro os mais variados conhecimentos, outras vezes nem por isso, mas tão só o facto de ler por melodiosas palavras ideias que me fazem reflectir. Deixo um exemplo com o qual estou completamente de acordo.
" O talento natural é como a força de um atleta. Pode-se nascer com mais ou menos faculdades, mas ninguém consegue ser um atleta simplesmente por ter nascido alto ou forte ou rápido. O que faz um atleta, ou um artista, é o trabalho, o ofício e a técnica. A inteligência com que se nasce é simplesmente a munição. Para se chegar a fazer alguma coisa com ela é necessário transformarmos a nossa mente numa arma de precisão. (...) Toda aobra de arte é agressiva. (...) E toda a vida de um artista é uma pequena ou uma grande guerra, a começar pelo próprio e pelas suas limitações. Para chegar a alguma coisa que te proponhas é preciso primeiro a ambição e depois o talento, o conhecimento e por fim, a oportunidade."
Acrescentaria ainda que a mesma ideia se pode usar no nosso quotidiano.
Zafón, Carlos Ruiz, O Jogo do Anjo, p. 200.
Imagem: Vendedora de Flores, Diego Rivera

segunda-feira, março 09, 2009

Brisas e Tempestades


As crianças e o seu pensamento são o que de mais belo e puro podemos encontrar. Não pensemos que estão desatentas, que podemos ter as mais variadas conversas porque não somos entendidos. Normalmente somos muito bem percebidos e, quando tal não acontece, mais tarde ou mais cedo a pessoa sobre quem estava posicionada a sua incompreensão acaba por sabê-lo.
Não preciso de prova, mas a história que se passou com a minha sobrinha de 8 anos é um exemplo perfeito.
- Ó tia dás-me um copo de àgua?
- Claro querida, vem comigo que to dou.
Enquanto lhe preparava a àgua, diz-me ela:
- Ó tia tu tiraste um curso de (…)?
Olhei para ela um pouco surpreendida e pensando por um lado onde quereria ela chegar, por outro admirada como é que ela, sendo minha sobrinha e da qual estou tão perto, sabia tão pouco da minha vida. Respondi-lhe afirmativamente pensando já em perguntar-lhe se não sabia. Não tive tempo porque de imediato avançou:
- Então porque trabalhas em (…)?
Apanhada de surpresa, respondi-lhe:
- Sim querida tirei porque gostava muito, mas como não consegui trabalhar nessa área acabei por trabalhar onde conheces.
No meio dos meus pensamentos rápidos dentro daquela conversa e de alguma emoção, devo ter ficado sem noção do tempo. Ouço a mesma vozinha:
- hummm, pois! Mas eu ainda não tenho a minha àgua!!!
A rir, servi-lhe o que me pedia mas fiquei a pensar como sem querer e na mais pura das inocências, aquela criança de quem tanto gosto, tocou num ponto fulcral.
O desenvolvimento da vida de cada um de nós. Os gostos muito particulares, os objectivos que pretendemos atingir em determinada altura, o trabalho muitas vezes sobre humano que fazemos, a luta pela concretização de um sonho e … a vida que pode ser “(…) como a brisa suave que precede as tempestades brutais; parece doce mas é amarga, tal como a rosa que atrai com as cores vivas das pétalas e trai com os espinhos que as folhas ocultam.”
Cit. Santos, José Rodrigues; A Vida Num Sopro, p. 68.
Imagem: Pino Art (2006), Close To My Heart.

domingo, março 08, 2009

Obrigado


Não podia deixar de agradecer publicamente esta oferta da Isabel e do José António ( “ O Caminho do Coração”). É com todo o carinho que recebo este selo e o evidencio, pois têm-me seguido desde que abri o blog e, mais importante que isso, acompanharam-me manifestamente numa fase difícil que passei e que ainda continua a afectar-me. Não me conhecem pessoalmente, mas sempre acreditaram e permaneceram bem perto.
Obrigado, Isabel.
Obrigado, José António.

sábado, fevereiro 28, 2009

Sensibilidade


Num tempo em que os casamentos eram feitos por conveniência, podendo mesmo pensar-se em termos negociais, não deixa de ser importante olharmos para a sensibilidade e delicadeza do Ser Humano que escreve para, de alguma forma, suavizar o temor do desconhecido. Neste caso, a receptora destas palavras poderia fazer o seu próprio juízo de valor e, se possível, captar o que de mais sensível existia na pessoa que somente conhecia através de carta e, possivelmente através de pintura.
Numa visita ao Palácio da Ajuda dei comigo a ler estas palavras que achei de uma beleza excepcional:

Fumar charuto era um dos prazeres de D. Luís. Numa das cartas de noivado para D. Maria Pia revelou-lhe este seu hábito.
“ É também necessário que te diga um pouco dos meus gostos e carácter, na medida em que eu próprio os possa conhecer. Sou grande fumador, bom caçador, apaixonado pela música (…) Peço-te no entanto que não me impeças de fumar, é o único vício ao qual me apeguei seriamente. Quando se esteve no mar, quando se viu a morte defronte dos olhos, quando acreditamos que não voltaremos a ver os nossos, o charuto faz a vez de amigo e companheiro, fazendo voar os pensamentos tristes, como o fumo se agita ao vento.”

D. Luís e D. Maria Pia – Ascendentes do Rei D. Carlos (penúltimo rei de Portugal).

Imagem: Sala de Fumo, Palácio da Ajuda, Lisboa


terça-feira, fevereiro 24, 2009

Mudança


Tal como referi no post anterior, a resistência à mudança é uma constante na nossa vida. Contudo, por vezes é necessária.

Foi o que fiz com o meu blog. Já o tenho há alguns anos e nunca lhe havia mudado o aspecto pelas mais variadas razões. Como tudo tem uma história, mantive muitas referências que pertencem ao passado mas que fazem parte de mim. Nunca delas me quereria separar!

Não se assustem portanto quando aqui entrarem. Continuo igual, a aparência é que mudou.


"Uma mudança deixa sempre patamares para uma nova mudança."
Niccolo Maquiavel

Imagem: Fragmento da pintura a óleo de Vermeer - The view of Delf. Retirada daqui.

domingo, fevereiro 22, 2009

Bittersweet Symphony





Ouço a música, vejo o video clip várias vezes e dou comigo a sorrir e por vezes até a rir. Se prestarmos atenção nada tem que nos provoque o riso, antes pelo contrário. Simplesmente, ao ver e ouvir repetidas vezes, penso: “Será verdade?” Tenho que concordar que é real, tão real que até dói. E, por doer, o sorriso emerge como defesa. Defesa porque visiono as posturas que assumimos sem tão pouco disso termos noção.

" 'Cause it's a bittersweet symphony this life"

Trying to make ends meet, you're a slave to the money then you die"

Não será esta uma realidade actual?
Vivemos em plena luta diária pela sobrevivência. A maioria das vezes, deixamos de perceber que, possivelmente, poderíamos caminhar com mais calma porque já temos o que necessitamos. Mas, a correria continua ininterruptamente… até ao dia em que algo acontece e, percebemos que o fim pode estar mesmo ali ao lado… mas, mesmo assim, a vida continua e mais uma vez nos viramos para dentro de nós mesmos. Passamos nas ruas apinhadas de gente, seguindo sempre em frente como se nos tivessem desenhado um segmento de recta por onde temos que correr. Se, por acaso “acordamos”, damos com olhares frios, gélidos, rostos inexpressivos, perfeitos autómatos com os quais de imediato nos identificamos para que… sejamos apenas mais um entre muitos.

Obstáculos? Que é isso? Onde estão? Nem os vimos. Contornamo-los e, na impossibilidade, passamos por cima. Percebemos que o fizemos? Não! Interessa sim o objectivo a ser cumprido, custe o que custar.


"I need to hear some sounds that recognize the pain in me"


Necessidade imperativa e primordial para continuar. Esquecer, empurrar para os primórdios do inconsciente todos os problemas, aflições, traumas, etc, etc, etc que nos perseguem. Só recorrendo a esta defesa podemos continuar inexpressivos por forma a desempenhar os papéis sociais que nos são impostos. Como produto final, encontramo-nos muitas vezes como “autistas”, vazios de senso e conteúdo, de onde, se ainda nos for possível, só saímos quando um estimulo exterior suficientemente forte nos devolve a consciência.


"No change, I can't change, I can't change, I can't change"


É usual a negação à mudança, mais usual do que seria salutar. Mas quero acreditar que esta é sempre possível!

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Passado



“(…) a cidade não conta o seu passado, contém-no como as linhas da mão, escrito nas esquinas das ruas, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos postes das bandeiras, cada segmento marcado por sua vez de arranhões, riscos, cortes e entalhes.”

Calvino, Italo, As Cidades Invisíveis, p. 14

E nós que a percorremos, quantas vezes olhamos sem ver?!



Imagem: Recanto da Praça da Riveira, Lisboa

sábado, fevereiro 14, 2009

Anjos e Demónios

Ouço uma, duas, três.... perdi a conta das vezes que a ouvi, numa tentativa de interiorizar a sua mensagem. Acho-a bonita e portadora de esperança, mas dou comigo a pensar que nem de tanto a ouvir consigo acreditar nestas palavras. Não fazem eco cá dentro, é como se de alguma forma estivesse bloqueada à sua entrada. Simplesmente rodopiam em meu redor mas… ficam-se por aí.

Verdade seja dita que anjos nunca foram o meu forte. Mas a esperança e a postura aberta a outras oportunidades sempre fizeram parte da minha personalidade..

Não posso considerar que tenha uma vida muito difícil. Há bem piores e seria injusto fazer qualquer equivalência. Contudo, noto o perfeito casulo onde, aos poucos, me fui envolvendo, na direcção proporcional à passagem do tempo. Cada vez mais apertado, cada vez mais escuro, de tal forma que já dei comigo a pensar: “A próxima etapa é não veres um palmo à frente do nariz!!”

Nunca fui, nem sou apologista de vitimização, sei que tenho que quebrar o ciclo. Pergunto-me amiúde: “Como?”

Angels

I sit and wait

Does an angel contemplate my fate

And do they know

The places where we go

When we're grey and old

'cos I have been told

That salvation lets their wings unfold

So when I'm lying in my bed

Thoughts running through my head

And I feel the love is dead

I'm loving angels instead

And through it all she offers me protection

A lot of love and affection

Whether I'm right or wrong

And down the waterfall

Wherever it may take me

I know that life won't break me

When I come to call she won't forsake me

I'm loving angels instead

When I'm feeling weak

And my pain walks down a one way street

I look above

And I know I'll always be blessed with love

And as the feeling grows

She breathes flesh to my bones

And when love is dead

I'm loving angels instead

...

terça-feira, fevereiro 10, 2009

A culpa foi de Eric



Comecei a escrever sobre outro assunto mas, fruto da companhia musical que escolhi (Gnossiennes,de Eric Satie), surgiu-me a imagem de um programa que, por mero acaso, vi na televisão, mais propriamente aqui.
Comecei a minha viagem pela música clássica desde muito cedo. Na altura, e no meio em que vivia, era considerado estranho uma criança gostar de música clássica (de tal forma que a minha mãe ainda levou algum tempo achando que algo não estava bem com a sua filha…). Foram tempos estranhos em que eu própria me considerei um pouco “marginal”. Felizmente, tive alguém que um dia se lembrou de me dar os parabéns. A partir daí, nada nem ninguém mais me conseguiu tirar este bichinho.
Foi pois com imensa alegria que tive conhecimento do projecto Zéthoven. Ver aqui.
Encantei-me vendo aquelas carinhas e olhinhos fantásticos que vibravam com a expectativa dos saraus, o medo do que podia acontecer aquando da sua actuação e, simultaneamente a alegria estampada naqueles rostos quando tocavam os seus instrumentos.
Com todas as crianças me identifiquei. A menina que tocava violino e que manifestava a necessidade em treinar sozinha no seu quarto sem qualquer interferência dos pais. O menino que na hora da sua apresentação se senta ao piano e toca a sua partitura, aquelas mãozinhas que, ainda pequenas, tendem a ficar quase presas ao teclado e que precisamente pela sua dimensão se posicionam frente às teclas quase na horizontal. As peças tocadas… tão infantis, tão fáceis mas tão bonitas e cheias de sonhos.
Com os meus olhos de hoje, vi o que sentia na altura projectado noutras crianças.
Agradou-me de sobremaneira ver como de há umas décadas para cá as mentalidades se modificaram. Estas crianças, com tão pouca idade, podem dar asas às suas capacidades sem que sejam consideradas diferentes. Podem desenvolver-se e evoluir através da música, bem como abrir os seus horizontes a outras realidades que tão necessárias são para um crescimento harmonioso.
Felizmente, ainda se fazem histórias de encantar!!
Imagem: Renoir, Jeune filles aux piano.

domingo, fevereiro 08, 2009

Caminhos


É sabida a necessidade de estimulação do Ser Humano no prosseguimento de determinada tarefa. Neste âmbito, foram feitos estudos que comprovam a tendência de evoluir cada vez mais. Como exemplo, quem tirou um curso superior, em princípio, terá mais probabilidades de continuar a sua aprendizagem usando como veículo a frequência e conclusão de outros cursos para que se sinta vocacionado. O mesmo “caminho” não tenderá a ser percorrido por quem nunca teve essa experiência. Quanto a mim, não será de estranhar visto sermos animais de hábitos, por mais que não o queiramos admitir.
Este blog começou como uma forma de não perder a “corrida” a nível de escrita, uma vez que era sabida a cada vez menor necessidade de utilização desta linguagem. Os conhecimentos adquiridos serviram-me para muito, sem dúvida, mas a vida, essa, costuma dar voltas para as quais por vezes não estamos preparados. E, quando tal acontece, mais não podemos fazer senão as necessárias adaptações. Estas, obrigam a estratégias, sendo que, essas sim, variam em todos nós.
Hoje, dei comigo olhando para este blog e pensando quantas foram as pessoas que por aqui passaram. Umas mais que outras, mas todas elas foram importantes. Posso até considerar que fui coleccionando amizades. Poucas, é certo, mas muito significativas!!
Percorrendo a lista que aqui tenho descobri que alguns dos blogues já nem existem… com esta descoberta, admito que a estratégia que escolhi (ausência) foi longa. Talvez longa demais!
Um dia, uma das amigas que por aqui deixa sempre uma palavra, disse-me perante a minha predisposição em não usar este canto para deixar correr lágrimas: “Já pensaste que ao usares os teus percursos de vida, podes ajudar alguém que te leia?” Achei que a razão estava do seu lado, mas… continuei afastada de tudo e de todos.
Penso que chegou a vez da mudança. Talvez começar por actualizar o que for necessário, escrever com alguma assiduidade… não sei qual, mas alguma, embora saiba que ainda existirão tempos de inacção. Os conteúdos? Não sei quais, mas terei com certeza em atenção o que me foi dito!

quarta-feira, janeiro 28, 2009

Nas palavras de outrém.


De espaço em espaço, lendo aqui e ali, por vezes temos a alegria de encontrar aquilo que não conseguimos traduzir por palavras nossas nas palavras dos outros. Quando tal acontece, todo o sentimento que nos acompanha toma forma e conteúdo.
FLUIR
A música ainda soa na sala
onde fluiu um tempo distinto
e as marcas dos sons
permanecem
intrépidas, intrépidos
e onde eu me encontro
ainda e agora
o som da música
rompe o silêncio.
Tenho pois que agradecer a Paula Raposo do blog "Por ti... com os meus olhos.", autora deste poema que tanto significado tem para mim.

sábado, janeiro 03, 2009

Porque há dias assim...


EM VÃO
Passo triste na vida e triste sou,
Um pobre a quem jamais quiseram bem!
Um caminhante exausto que passou,
Que não diz onde vai nem donde vem.
Ah! Sem piedade, a rir, tanto desdém
A flor da minha boca desdenhou!
Solitário convento onde ninguém
A silenciosa cela procurou!
E eu quero bem a tudo, a toda a gente...
Ando a amar assim, perdidamente,
A acalentar o mundo nos meus braços!
E tem passado, em vão, a mocidade
Sem que no meu caminho uma saudade
Abra em flores a sombra dos meus passos!
Florbela Espanca, Sonetos